Jimi Hendrix por ele mesmo, organizado por Alan Douglas e Peter Neal (Zahar, 230 páginas) é uma compilação de textos escritos pelo próprio Hendrix durante o seu auge – entre 1966 e 1970. Trata-se de uma autobiografia póstuma onde os relatos seguem uma ordem cronológica e também temática, com pouca contextualização dos fatos pelos organizadores. Texto bruto, é como se lêssemos o diário de um dos maiores guitarristas de todos os tempos.
O livro é dividido em nove capítulos (sempre introduzidos por uma música de Hendrix), e cada um deles contempla certo período da vida do guitarrista. Logo no início, Jimi conta sobre sua expulsão da escola aos 17 anos e depois sua ida – e completa aversão – ao Exército. Paraquedista, a junção de problemas nas costas, tornozelo e também sua indisciplina, tiraram Hendrix das forças armadas pouco antes do Vietnã. Ele agradece a isso, pois foi aí que começou sua carreira de músico.
Hendrix chama a si mesmo de cigano musical, e, após lermos suas confidências, temos uma visão clara do motivo. No início da carreira, percorreu diversas regiões dos EUA participando de uma dezena de bandas para aprender a tocar guitarra. Era sempre músico de apoio, dormindo em espeluncas com “ratos passando por cima durante a noite”, ganhando pouco e ficando dias sem comer. A mudança na carreira aconteceu em 1966, quando Jimi mudou seu nome artístico para Jimi James e criou um grupo chamado Blue Flames. Em um show no Central Park, Chas Chandler, baixista da banda Animals, chamou Hendrix para formar uma banda na Inglaterra, convite que foi aceito na hora. Em setembro daquele ano, nas terras da rainha, o agora Jimi Hendrix, formou o Jimi Hendrix Experience, power trio com Noel Redding, no baixo, e Mitch Mitchell, na bateria.
Capa da biografia
Desse ponto em diante, as confidências mais importantes de Hendrix perpassam por shows, discussões sobre seu estilo de vida, sua forma de tocar e pensamentos sobre a música. Fica claro que, antes de tudo, ele era um apaixonado por vários estilos musicais e nunca se achava digno de receber títulos que o enalteciam como exímio guitarrista. Para ele, sempre havia mais a tirar da guitarra, novas possibilidade de som que ainda não dominava ou que apenas sonhava.
Sobre os prêmios que ganhou como guitarrista, repetia que só eram dados a ele porque outros bons músicos não eram conhecidos o suficiente para entrarem no páreo. Era inconformado com o mercado musical, que obrigava bandas boas a cantarem canções ruins em nome exclusivamente de vendas ou público. Para Hendrix, as músicas eram uma voz pessoal, experimental, que estariam destinadas a tocar todas as pessoas, mas que não precisariam necessariamente de uma contrapartida comercial para validar cada canção como boa ou ruim. O público deveria sentir. Esse teria sido o sentido e o motivo por trás de Experience e demais projetos do guitarrista e cantor.
Ao fim da leitura (textos de 1970), há uma atmosfera de incompletude e pessimismo nos relatos do guitarrista. Hendrix pensava que o público tinha esquecido seus acordes e que deveria trazer algo realmente inovador. Ele imaginou uma ópera rock com uma super banda que percorresse todas as maiores cidades do planeta. Infelizmente, isso nunca aconteceu. A morte repentina e até hoje inexplicável de Hendrix, aos 27 anos, enterrou todos aqueles sonhos.
Álbum de Memórias indica esta autobiografia leve. Livro recomendável a todos os amantes de Hendrix e também da boa música.