Logo nas primeiras páginas de O melhor livro de autoajuda do mundo (Editora Labrador, 2022), tem-se a impressão de que o narrador, Geraldo Pereira, carrega muito de seu criador, o autor deste livro dentro do livro, Gabriel Paciornik. Como sabemos que nunca se deve confundir autor com personagem, pode ser simplesmente uma habilidade narrativa fora do comum na criação deste protagonista, marcado por uma visão de mundo niilista, mau humor patológico e um comportamento antissocial quase orgulhoso.
Em suma, temos diante de nós um tremendo protagonista, construído em todas as suas fragilidades e defeitos, o que por vezes nos aproxima ou nos repele.
Após conhecermos Geraldo, eis que entra em cena Aloísio, uma espécie de “amigo” e colega de profissão (são editores/escritores) com quem Geraldo vive às turras. A trama começa quando Aloísio chama o protagonista para escrever um livro de autoajuda, tomado pelo sonho de vendas estratosféricas.
O gênero autoajuda vai contra toda a filosofia de vida de Geraldo (que, inclusive, tem mestrado em Filosofia), mas ele acaba aceitando o trabalho por razões que nem ele próprio sabe explicitar, embora o cheque polpudo que Aloísio joga na sua frente certamente contribua para a decisão. Começa, de certa forma, um arco de corrupção moral que Geraldo nega a todo o momento para si mesmo, mas que, para o leitor atento, não passa despercebido.
No caminho para achar o tom certo do livro, sempre com seu mau humor crônico, Geraldo encontra uma gama de personagens que o tiram de sua rotina solitária: Rosa, a simpática atendente da xerox por quem Geraldo desenvolve um crush; Otávio, o frustrado e depressivo cunhado; Érica, uma amiga colorida, tão ácida e sarcástica quanto o próprio Geraldo e que o conhece melhor do que ninguém; Xaxim, um jornalista investigativo aposentado, boa-praça e tranquilão, que conhece os recônditos obscuros da cidade.
Todos são muito bem caracterizados, com um traço físico ou de personalidade que, por menor que seja, o torna único e lhe dá vida.
Mas o personagem mais peculiar talvez seja Azazel, o pequeno demônio engarrafado, que lembra “um cão pug do avesso”, tão asqueroso e desonesto quanto brilhante, e que funciona como uma espécie de consultor na escrita do livro de Geraldo. Aqui a trama dá uma guinada inesperada (e hilária) para o surrealismo.
É como se fosse necessário o auxílio de uma criaturinha das trevas para escrever o melhor livro de autoajuda do mundo, destinado a iludir aquelas pobres almas, nas suas buscas inúteis pela felicidade.
Na sua estreia como romancista, Gabriel Paciornik constrói um enredo ágil, de humor corrosivo, por vezes dramático e filosófico, calcado na força de um personagem central que se confunde entre o trágico e o cômico (embora este último prevaleça).
Por mais que Geraldo se recuse a acreditar na capacidade transformadora do ser humano, como bom pessimista (ou “nadista”, como diz a Érica, um “coisa nenhumista”), ao final, fica claro para o leitor que o protagonista não é mais o mesmo.
E vale a pena chegar até o final deste livro que, você já deve ter percebido, NÃO é de autoajuda.