Você já deve ter escutado escritores (ou até outros artistas) se referirem ao trabalho literário como “inspiração”. Algumas vezes em frente às câmeras, outras diante de um grande público, ou ao receber um prêmio literário de destaque, ouvimos esse termo “inspiração” e uma certa visão romântica do tema nos remete aos sopros divinos, aos anjos e serafins inspirando palavras ou mesmo musas soprando versos e beleza. Mas será que o trabalho literário feito atualmente pode mesmo ser justificado como “inspiração”?
Ponto de mudança
Noemi Jaffe, em seu recente “Escrita em Movimento” (Companhia das Letras) acredita que houve um ponto de mudança que passou a esvaziar o significado dessa palavra. Segundo ela: “A modernidade e as vanguardas do início do século passado procuraram derrubar a mitologia que se estabeleceu em torno do artista inspirado e eleito, trazendo a prática artística para mais perto do chão, do dia a dia, dos indivíduos comuns”.
Além da mudança de compreensão proposta pela escritora, podemos também elencar uma transformação de caráter tecnológico. Desde a virada do século, sobretudo com a maior disposição técnica que permitiu autores ao redor do globo produzirem, venderem e divulgarem seus próprios livros online, a ideia de inspiração tornou-se um sinônimo de muito trabalho.
São atividades imprescindíveis do escritor contemporâneo, por exemplo, ler com atenção plena os clássicos, encontrar referências para o seu trabalho, pesquisar o tema que deseja escrever sobre, depois escrever, revisar, reescrever, cortar, ler novamente. Depois, se for autor independente, ainda pensar na forma, na capa, na letra do miolo do livro, diagramar, buscar a publicação, divulgar e comercializar a própria obra. É muita coisa.
No Álbum de Memórias, como escritores e jornalistas, também acreditamos que inspiração é sinônimo de trabalho. É como aquela frase atribuída a Picasso: “Se a inspiração quiser vir, que venha. Mas vai me encontrar trabalhando”. Acreditamos que a inspiração é um processo de sublimação que cintila quando o autor está imerso diante da pesquisa ou das leituras que estão de acordo com o que pretende escrever. A importância da pesquisa no processo de escrita é algo que já escrevemos neste outro artigo do nosso blog.
E para além da pesquisa e da leitura necessária para começar a escrever, o próprio processo de escrita em si é um cabo de guerra entre escrever e cortar, escrever e reescrever, explorando diversos pontos de vista, formatos de frases e estilos, até encontrar o polimento certo, a frase exata que corresponda às expectativas criadas e à intenção desejada.