Da ficção para a biografia — Entrevista com Marcelo Moutinho

Da ficção para a biografia — Entrevista com Marcelo Moutinho

Escritor e Jornalista, Marcelo Moutinho, que conquistou o Prêmio Jabuti 2022 na categoria Crônica, com “A lua na caixa d’água” (Malê), e o Prêmio Clarice Lispector 2017, da Fundação Biblioteca Nacional, com a seleta de contos “Ferrugem” (Record), lança sua primeira biografia: “Estrela de Madureira”. O livro conta a trajetória de Zaquia Jorge, artista e empresária com enorme importância cultural nos anos de 1940 e 1950 em toda a cidade.

A morte trágica de Zaquia, afogada na então inóspita praia da Barra da Tijuca, aos 33 anos, causou comoção popular e inspirou o samba “Madureira chorou”, grande sucesso do Carnaval de 1958. Moutinho, nascido em Madureira, nos concedeu esta entrevista sobre como foi o trabalho de reconstituir a vida de uma mulher à frente do seu tempo. Ele nos conta dos desafios de sua primeira biografia e como pretende conciliar as atividades de ficcionista e biógrafo.

Estrela de Madureira” pode ser adquirido aqui. Boa leitura.

Antes de “Estrela de Madureira”, você escreveu livros de Contos e Crônicas, alguns deles como “A lua na caixa d’água” e “Ferrugem”, ganhadores de prêmios literários de expressão nacional. O que o levou a enveredar pelo caminho da biografia e, em especial, a trajetória de Zaquia Jorge?

Marcelo Moutinho: O projeto sobre Zaquia era relativamente antigo. Sua história sempre me despertou curiosidade, sobretudo pelo singular fato de existirem dois sambas de imenso sucesso que a reverenciam “Madureira chorou”, de 1958, e “Estrela de Madureira”, de 1975 e ela continuar sendo uma desconhecida para a absoluta maioria da população, mesmo no Rio de Janeiro, onde desenvolveu sua carreira. Quem tera sido essa mulher capaz de inspirar duas canções famosas, de fazer a cidade chorar por sua morte e, depois, desaparecer do mapa? O livro nasce para desvendar o mistério. Claro que sua iniciativa de ter criado um teatro no subúrbio, rompendo com a premissa de que tais espaços deveriam ficar restritos às áreas de elite, me chamava também a atenção. Então diria que foi uma soma de coisas.

Você é escritor e jornalista, e o trabalho biográfico se aproxima, em muitos aspectos, do modo de trabalhar de um jornalista. Quais as principais diferenças, na sua opinião, no trabalho de biógrafo e o de escritor de ficção?

M.M.: Cheguei a usar, no livro, algumas técnicas da ficção. Quando abro a biografia com a morte trágica da protagonista, por exemplo, a intenção é criar uma cena de impacto, que instigue a curiosidade do leitor. Mas, em grande parte do processo, são trabalhos bem distintos. Não foram poucos os momentos em que me deparei com lacunas na história, situações relatadas que não tinha como confirmar. Ao contrário do que acontece com o ficcionista, não podia simplesmente optar pela invenção. A busca pelo rigor histórico foi uma constante ao longo da pesquisa e também na fase de escrita.

Você nasceu em Madureira, e Zaquia Jorge foi muito importante para este bairro do subúrbio, não por acaso o título de “Estrela de Madureira”, como usa no seu trabalho. Em quais aspectos, contar essa história, ajuda a reconstruir a memória do bairro e das pessoas que lá vivem?

M.M.: O subúrbio carioca, assim como as regiões periféricas no Brasil de modo geral, tem uma historiografia bem escassa. Em geral, o foco se mantém nas zonas centrais ou onde vivia e vive a elite urbana. Então acredito, sim, que o livro ajuda a iluminar a história não só de Madureira, mas de toda aquela região costumeiramente relegada. Para além da trajetória de Zaquia, procurei abordar a conjuntura do Rio entre os anos 1940 e 1950. A ebulição da cena do teatro de revista na Praça Tiradentes, o surgimento dos teatros de bolso na Zona Sul e, claro, o cenário social, cultural e econômico do subúrbio. Vale lembrar que, quando Zaquia instala lá sua casa de espetáculos, Madureira já tinha duas escolas de samba de expressão nacional a Portela e o Império Serrano , um clube de futebol da primeira divisão, o referencial Mercadão, além de agência do Banco do Brasil e filiais de lojas chiques. Era um bairro com grande pujança, muito graças à força de seu comércio.

Nas suas redes sociais, você compartilhou alguns relatos de novas informações sobre a biografada que surgiram logo nas fases finais de revisão do livro. Em que momento a pesquisa do biografado acaba? E como é a relação com a editora na negociação de tempo para inserção de novas informações?

M.M.: A pesquisa, na verdade, não acaba. O que acontece é que você precisa entregar o livro. Mas novas informações continuarão a aparecer, esse é um processo que perdura. Até o limite da prova final, eu incluí novos dados. Um exemplo foi a questão da guarda do filho de Zaquia, que só descobri ao ter acesso a seu inventário, já com a primeira versão do texto nas mãos da editora. A Record compreendeu, porque sabia que o objetivo era tornar o livro melhor.

Seu próximo trabalho também é uma biografia. Dessa vez sobre Aracy de Almeida, “A Dama do Encantado”, identificada como a primeira grande cantora de samba. O que o fascinou no trabalho com Zaquia Jorge que o fisgou a uma nova empreitada no gênero? Isso pode significar uma mudança na sua carreira ou apenas uma pausa na ficção?

M.M.: O Ruy Castro disse certa vez que fazer uma biografia é visitar um país desconhecido. A frase é precisa. O processo de descoberta de uma vida implica também a descoberta de um tempo, com seus cheiros, seus costumes, seu ritmo, suas idiossincrasias. Adorei fazer esse trabalho e a intenção é, realmente, me debruçar sobre outros personagens. Não pretendo abandonar a ficção, e sim manter os dois perfis o do biógrafo e o do contista em paralelo. No segundo semestre, vou lançar um novo infantil e agora mesmo estou finalizando um livro de crônicas. Até 2025 terei também um de contos. São trabalhos que se somam e, ao menos por ora, não pretendo fechar a lente num gênero só.

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