Neste artigo, os fundadores do Álbum de Memórias falam sobre suas experiências pessoais de pesquisa para escrever seus romances, que são “Rumah” (2015) e “Natureza Morta” (2019). Bruno Flores e José Fontenele destacam a importância dessa etapa fundamental da criação literária.
Rumah (Bruno Flores)
A ideia para o romance veio a partir da leitura do livro “Colapso”, de Jared Diamond, mais especificamente um capítulo que trata da Ilha de Páscoa e como sua civilização foi responsável pelo próprio declínio, sem interferências externas (guerras com outros povos ou invasões). Aquilo me intrigou de imediato.
Desenvolvi os personagens e a trama e queria algumas características específicas para Rumah (nome da ilha do livro, que significa “Lar” em malaio), o que me levou a filtrar o material de pesquisa para atender minhas intenções ficcionais. Por exemplo, queria que a ilha tivesse um clima tropical, como as ilhas do Taiti, e não temperado e mais frio, como da Ilha de Páscoa.
Mergulhei na leitura de diversos livros que tratassem de temas do meu interesse. O principal deles foi “The Polynesians”, do arqueólogo Peter Bellwood, que condensa uma extensa pesquisa sobre os antigos povos polinésios, abordando técnicas de navegação, formas de ocupação e organização social nas ilhas, as diferentes crenças, hábitos, e os conflitos que aconteciam.
Posteriormente viajei para três países insulares do Pacífico (Fiji, Vanuatu e Tonga), onde conheci lugares que se tornaram cenários da história, visitei aldeias e conversei com pessoas. Entre essas pessoas, destaco um guia de museu em Porto Vila, capital de Vanuatu, um homem simples que andava descalço pelo museu, tinha vindo de uma aldeia isolada no norte do país e se alfabetizado para exercer aquele cargo. Ainda mandava ajuda financeira para seus familiares na aldeia.
Primeiro escolhi minhas metas. Decidi escrever a história de um casal, porque apesar de ser um gênero que gosto muito no Cinema, não lia muitas histórias de casal na Literatura. Depois decidi que o principal conflito seria o fato de eles não terem filhos. A partir daí começou efetivamente a pesquisa. O personagem masculino do casal foi fácil de definir, era um tipo que havia aparecido em alguns contos anteriores meus.
O desafio mesmo seria a personagem feminina e o motivo de ela não engravidar. Descobri então a perda gestacional, algo que é diferente do aborto. Na perda gestacional o feto morre ainda no útero e, por vezes, nem o médico consegue detectar isso. Procurei então documentários e depoimentos inúmeros de mães que passaram por isso e descobri que 15% das mulheres do país sofrem perdas gestacionais.
Esse assunto me levou ao luto. A perda gestacional mexe muito com a cabeça das mães e pode levar até a depressão. Logo fui pesquisar as fases do luto e como isso poderia influenciar na minha personagem. Procurei artigos de psicólogos que lidam com o luto e a perda gestacional e fui “encontrando” minha personagem: uma mulher que havia passado por perdas gestacionais e que, sem saber, ainda estava em fase de luto.
O marido, contudo, ignora a condição dela. Decidi que, para lidar com o luto, ela teria uma expressão artística, seria uma pintora. Isso me rendeu outra pesquisa sobre escolas de pintura, estilos, características, equipamentos, etc. Ao todo fiquei 4 meses pesquisando até encontrar minha personagem e foi fundamental para a escrita do livro.