O escritor na quarentena – 08 autores falam sobre esse momento

O escritor na quarentena – 08 autores falam sobre esse momento

O Álbum de Memórias ouviu autores e autoras sobre esse período de pandemia e isolamento social.

Eles falam sobre como o momento marca suas vidas e produções literárias, e refletem sobre impactos na literatura e nas relações humanas.

Vamos à eles.

 

escritor rafael gallo

RAFAEL GALLO*

Estou com um romance pronto, mas em relação a ele a única coisa que penso é: preciso mudá-lo bastante. Trabalho nesse livro desde 2016, quando eu e o contexto mundial – ou nacional, em específico – éramos muito diferentes de hoje. Ainda quero “sentar para conversar” com essa história, a fim de ver quem somos hoje, eu e ela, e como podemos nos relacionar.

Mas tenho tido dificuldade em me sentir verdadeiramente próximo da ficção, a fim de cumprir tal tarefa. O que tem salvado minha escrita – e a mim, um pouco – são convites que recebo para contribuir com histórias de outras pessoas. O projeto “Inumeráveis” é exemplar disso; transformar, através da composição de palavras, os relatos de amigos e familiares sobre pessoas que morreram pela Covid-19 é algo que tem me tocado profundamente, tal qual algumas ficções foram capazes antes.

*Rafael Gallo é autor do romance “Rebentar” (Record, 2015), vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura, e do livro de contos “Réveillon e outros dias” (Record, 2012), vencedor do Prêmio SESC de Literatura.

 

escritora micheliny verunschk

MICHELINY VERUNSCHK*

No confinamento do Covid-19 minha relação com a literatura tem sido basicamente uma relação de leitora. Eu estava escrevendo um romance antes de tudo começar, mas tragada tanto pelos afazeres cotidianos que a vida doméstica passou a exigir, ainda mais com duas crianças em casa, e com certa imobilidade emocional para o fazer literário, causado acho que pelo susto desse novo tempo, simplesmente parei.

Ocasionalmente escrevo algum poema, no entanto certa rotina já estabelecida foi quebrada. Estou há 96 dias em casa, e só agora começo a tentar recompor minimamente esse espaço da escrita. Por outro lado, considero que enquanto leio, e tenho lido bastante, estou estudando seja para a composição do meu romance seja para outros escritos que possam surgir.

*Micheliny Verunschk é autora de livros de poesia e prosa. Seu primeiro romance, “Nossa Teresa – vida e morte de uma santa suicida” (Patuá, 2014) foi agraciado com o Programa Petrobras Cultural e com Prêmio São Paulo de melhor livro de 2015.

 

escritor maurício de almeida

MAURÍCIO DE ALMEIDA*

Qualquer enredo ou projeto anterior ao que está acontecendo parece anêmico. Estou com um romance pronto que perdeu o significado. É verdade que esse livro, feito toda história, parte de princípios básicos que mantêm o sentido apesar de tudo (o medo, a perda, a confrontação de si, etc.), mas todo resto parece esvaziado de sentido. Talvez seja necessário reinventar a história da mesma forma que será necessário nos reinventarmos e talvez esse processo seja mais lento do que gostaria, mas é uma forma de acreditar que esse livro tem salvação e ainda fará sentido, uma forma de acreditar que escrever ainda seja relevante.

Ao mesmo tempo e contraditoriamente, consegui terminar um livro de contos cujo tema principal é o deslocamento. Um livro de viagens, por assim dizer, registros ficcionais de viagens por diversos lugares do Brasil. Sintomático que tenha conseguido encerrá-lo em isolamento. Trabalhar no livro não foi menos penoso que os demais e ainda não sei exatamente o que me mobilizou a terminá-lo, se o confinamento e a decorrente vontade de sair ou se a necessidade de registrar um país que talvez tenha deixado de existir. Provavelmente, ambos.

*Maurício de Almeida é autor do livro de contos “Beijando Dentes” (Record, 2008), vencedor do Prêmio SESC de Literatura, e do romance “A Instrução da Noite” (Rocco, 2016), vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura na categoria melhor livro do ano de estreante até 40 anos.

 

escritora marcia tiburi

MARCIA TIBURI*

Continuo escrevendo artigos acadêmicos, e trabalhando nos meus projetos literários e artísticos. Vivo há muito tempo como que confinada estudando e escrevendo. Se eu ficar ansiosa com algo, escrevo mais um pouco. Mas não localizo ansiedade em minha vida. Preocupação, sim, e muita.

*Marcia Tiburi é filósofa, artista plástica, professora universitária e escritora. Seu livro mais recente é “Delírio do poder – Psicopoder e loucura coletiva na era da desinformação” (Record, 2019).

 

escritor william soares dos santos

WILLIAM SOARES DOS SANTOS*

Além do modo de narrar, a temática é evidentemente afetada no trabalho do escritor em meio à pandemia. Mesmo escrevendo sobre tópicos que não falem diretamente sobre a peste, ela aparecerá em sua escrita de alguma maneira, já que o escritor é uma antena de seu tempo. Mesmo falando de outro tempo, ele nunca pode fugir ao seu próprio.

Tive uma experiência recente que me mostrou isso. Meu último livro, Memórias de um triste futuro, é fruto de uma pesquisa que realizei sobre como diferentes vidas foram afetadas sob o regime da ditadura militar no Brasil entre 1964 e 1985. Ao final do livro, no entanto, percebi que estava falando do meu próprio tempo, principalmente ao constatar que a violência cultivada pela ditadura e a ideologia que lhe dava sustentação não morreram, mas se encontram vivas no Brasil de hoje.

*William Soares dos Santos é escritor, professor, tradutor e membro titular do PEN Clube do Brasil. É autor de livros de poemas, dentre eles o mais recente “Três Sóis” (Patuá, 2019), e do romance “Memórias de um triste futuro” (Patuá, 2020).

 

escritora nathalie lourenço

NATHALIE LOURENÇO*

Não vou dizer que tenho produzido muito durante a quarentena, mas também não foi um período totalmente infértil. Me parece que tenho mais dificuldade para manter o foco, e textos que eu escreveria mais rapidamente, acabam se alongando. Sinto isso tanto na produção literária quanto no meu trabalho, que também envolve escrita (sou redatora publicitária) – que apesar de, em teoria, estar economizando o tempo de ida e volta do trabalho e da saída para o almoço, o dia parece render pouco.

Faço aulas de escrita e tenho também um freela de crônicas infantis. Essas atividades possuem prazos de entrega, e acabam incentivando a produção, quer a gente esteja com vontade de escrever ou não. Ainda bem! Mas é interessante também apontar que apesar da criação em si dos textos estar devagar, estão aparecendo muitas ideias para usar mais tarde.

*Nathalie Lourenço é autora do livro de contos “Morri por educação” (Oito e Meio, 2017). É publicitária e foi publicada em revistas como Philos, Blecaute, Flaubert, Subversa e outras. Escreve crônicas em medium.com/@ridicula

 

escritor marcelino freire

MARCELINO FREIRE*

O isolamento tem me dado uns textos, talvez ausentes de humor; tem me provocado uns olhares outros. Até um olhar voltado para dentro de casa, que há tanto tempo eu não habitava. Tenho ouvido os móveis, os talheres, as persianas. Esse diálogo foi gerador de frases. Puxou de mim outros sentidos, “criou” em mim outras linhas.

*Marcelino Freire é autor do romance “Nossos Ossos” (Record, 2013 – Vencedor do Prêmio Machado de Assis), publicado também na Argentina, França e Portugal. Em 2018, lançou pela José Olympio o livro “Bagageiro”, que reúne o que ele chama de “ensaios de ficção”. Coordena oficinas de criação literária desde 2003.

 

escritora luize valente

LUIZE VALENTE*

O isolamento é a constante na vida de quem escreve. A escrita, por natureza, é solitária. No entanto, o que poderia parecer a situação perfeita – ter que ficar em casa, sem as distrações externas – se mostra, imensas vezes, caótica. Nunca me senti tão desconcentrada.  É impossível se alienar. Muito difícil conseguir focar no processo criativo, ficar indiferente ao momento mundial e, em particular, ao do Brasil. Arrisco dizer que, talvez, pelo fato do planeta – e do nosso país – nunca ter soado tão ficcional e distópico, fica difícil desligar, virar o botão.

Tenho conseguido trabalhar, mas num ritmo muito mais lento do que gostaria ou estou habituada. Escrevi contos e outros textos neste período, mas por demanda. Com deadlines. Meu projeto mais ambicioso, o novo livro, tem seguido devagar. Não estou me forçando a nada. O que tenho procurado é criar um ritmo de leituras, assistir menos séries. Para mim, a leitura é o melhor dos exercícios de concentração e, também, a escola primeira e eterna do escritor.

*Luize Valente é jornalista e escritora, é autora dos romances históricos “Sonata em Auschwitz” (2017), “Uma praça em Antuérpia” (2015) e “O segredo do oratório” (2012), além do recente livro de contos “Do tempo em que voyeur precisava de binóculos” (2019), todos publicados pela Record.

 

Conheça também a antologia de contos O dia depois de amanhã – A liberdade pós-Coronavírus, publicada pelo Álbum de Memórias.

 

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    • Depoimento no site “Álbum de memórias” | Labirinto Invisível
      26 junho, 2020

      […] Eu tinha escrito um texto mais extenso sobre o assunto, que copio logo abaixo. Para quem quiser ler a matéria no site, é só clicar AQUI. […]

    • carlyle
      26 junho, 2020

      Oi Maurício, quero ler seu novo livro de contos? quanto tempo terei que esperar? publique logo, já estou ansioso! baita abraço

    • SERGIO
      26 junho, 2020

      Fantástico ver meu querido William Soares dos Santos nessa galeria de heróis das letras! Abração a todos, Sergio Viula

    • J.C
      26 junho, 2020

      Ótima matéria! Muito legal saber como os bons escritores estão lidando com o problema da Covid-19. =)