Romance Histórico – Entre os Fatos e a Ficção

Romance Histórico – Entre os Fatos e a Ficção

Romance histórico é o gênero ficcional onde a história se passa em um tempo do passado. Normalmente, tais livros se valem de personagens históricos importantes ou de grandes acontecimentos para justificarem a leitura e, por consequência, também ensinam sobre aquele período onde a ficção acontece. Mas o leitor fica sempre com uma dúvida: é história ou ficção? Aquilo realmente aconteceu daquela forma? Procuramos aqui responder essa pergunta e ainda apresentamos 5 autores nacionais que são referência no gênero.

Romances históricos agrupam duas qualidades: a criação ficcional e a pesquisa histórica. Enquanto a primeira cabe totalmente à imaginação escritor, a segunda originalmente é objeto do historiador ou do jornalista especializado. No passado, contudo, e estamos falando do século XVII até a Antiguidade Clássica, os papéis do historiador e do escritor não eram muito distintos. Historiadores relatavam os acontecimentos do passado empregando destreza literária para tornar os textos belos e cativantes aos leitores. Como exemplo, podemos relembrar os historiadores clássicos Homero, Xenofonte, Virgílio, Heródoto, que utilizavam prosa e/ou poesia épica para retratar acontecimentos anteriores a eles. A distinção entre escritor e historiador só muda no séc. XVIII, com a Revolução Francesa.

Motora de muitas transformações, é o filósofo e historiador literário Georg Lukács quem defende que a Revolução Francesa alterou a percepção do público sobre os livros históricos. Se antes eram confundidos com Literatura, Lukács diz que com a revolução o povo passou a procurar os livros históricos para aprender realmente sobre o passado – o que dividiu melhor a função do historiador e do escritor.

Assim, depois da Revolução Francesa, os romances históricos passaram a ser melhor entendidos como livros que, através de técnicas literárias, buscavam retratar uma realidade do passado com maior ou menor fidelidade. Essa fidelidade passa a ser a maior preocupação do escritor; é ele quem estipula o quão comprometido com aquele período histórico o livro será. E para preencher informações que a pesquisa histórica não alcançou ou dar mais dramaticidade ao enredo, aí encontramos a criação ficcional.

No fim, o bom romance histórico sempre deixa uma atmosfera de fidelidade factual com temperos de acaso; afinal, o que é mais importante: como o passado de fato poderia ter sido ou como ele foi retratado naquele romance? A resposta pode ser dada pelo poeta Ferreira Gullar, para quem “a Arte existe porque a vida não basta”.

Nesse espaço literário entre realidade e ficção, podemos destacar alguns autores brasileiros contemporâneos que trabalham bem o gênero:

Sonata em Auschwitz, de Luize Valente

Em “Sonata em Auschwitz”, da jornalista Luize Valente, uma criança nasce no complexo de Auschwitz-Birkenau em outubro de 1944, no mesmo dia que um jovem oficial alemão compõe uma sonata. Amália, décadas depois, começa a investigar o passado nazista de sua família e descobre que o avô, tido como morto antes do fim da Segunda Guerra, poderia estar vivo no Rio de Janeiro. Em paralelo, eventos históricos como a Noite dos Cristais, a saga dos judeus húngaros da Transilvânia, os guetos na Hungria e Romênia e os trens para Auschwitz servem como pano de fundo para o romance.

O verão tardio, de Luiz Ruffato

Neste romance, o narrador, Oséias, um homem abandonado pela mulher e o filho, decide voltar para sua cidade-natal, Cataguases, em Minas Gerais. Ele tenta, de alguma forma, se reconectar com o passado e a tragédia familiar do suicídio de uma das suas irmãs, em 1975. A narrativa acompanha fases diferentes do protagonista: após a morte da irmã ele migra para São Paulo em plena ditadura militar; ele fica entre as duas cidades, e deixa de ir para Cataguases após a morte da mãe, em 1995. Mais de vinte anos depois, no presente, o romance acompanha o esforço dele para se reaproximar da família.

A partitura de Clara, de Silvia Gerschman

Em “A partitura de Clara”, acompanhamos dois pesquisadores que tomam conhecimento de uma partitura escrita pela pianista e compositora Clara Schumann, esposa de Robert Schumann. Os pesquisadores, o francês Patrick e a brasileira Anna, dedicam-se a procurar essa partitura perdida enquanto, em segundo plano, lemos a trajetória da pianista da infância à vida adulta, na Alemanha do século XIX. Silvia Gerschman constrói a narrativa com informações sobre as transformações estéticas e políticas daquele tempo, e muita música.

A biblioteca elementar, de Alberto Mussa

O “Compêndio Mítico do Rio de Janeiro” é uma série de cinco livros policiais, cada qual passado em um século, que podem ser lidos em qualquer ordem. “A biblioteca elementar” é o quinto livro e nos traz uma história que tem como tema a Humanidade. Ambientado no século XVIII, mas narrado no presente, a história gira em torno de um assassinato na Rua do Egito, local habitado principalmente por ciganos. Mussa reconstrói o Largo da Carioca e leva o leitor às lendas e crenças dos habitantes daquele antigo Rio de Janeiro.

A noite da espera, de Milton Hatoum

Primeiro volume da série “O lugar mais sombrio”, o romance histórico de Milton Hatoum retrata a formação sentimental, política e cultural de um grupo de jovens na Brasília dos anos 1960 e 1970. A história é narrada por Martim, um jovem paulista que cresce em Brasília durante a ditadura militar, e resolve comentar os acontecimentos daquele tempo em Paris. A história é tanto um retrato daquele momento do país, quanto autobiográfica, pois Hatoum também morou em São Paulo, Brasília e Paris. O livro é um retrato da novíssima capital do Brasil em meio ao AI-5, os movimentos juvenis e a violência velada no país.

Gosta de romance histórico? Qual está lendo? Deixe seu comentário aqui embaixo e até a próxima!

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    • Álcina Lapa
      05 fevereiro, 2021

      Gosto dos artigos, são bem explanados

    • Silvia Gerschman
      10 agosto, 2020

      É muito interessante seu escrito sobre romances históricos. especialmente, devido ao registro da Revolução Francesa quando a literatura e a história se separam para dar lugar a duas narrativas singulares com caminhos próprios. Muito mais tarde quando a história se torna uma ciência humana e a literatura ganha com o surgimento do romance histórico, as duas literatura e história adquirem um perfil diferenciado e densidade nos sus campos.